terça-feira, 22 de abril de 2014

AI QUE SAUDADE DO ‘NÓIS’!

Autor: Edvaldo Pitanga *

Constato com alegria, e um pouco de pesar também, que daqui a trinta dias completarei 59 anos de vida. Destes, 35 anos de militância, inicialmente no Partido dos Trabalhadores – ao qual permaneço filiado – e, depois, no sindicalismo do setor público federal e na CUT, onde continuo em atividade.

É inevitável a volta ao passado, rememorando inúmeros fatos e passagens desta trajetória política, alguns de boa lembrança, outros não tanto assim. Então resolvi me ater às boas recordações. Porque segundo o pessoal entendido em astrologia esse período de trinta dias que antecede o aniversário é considerado nosso “inferno astral”, se bem que não sei exatamente o que significa isso. Parece-me ser um momento conturbado que termina no dia em que você aniversaria. Então vou contrapor com pensamentos positivos.

Sem muito esforço, no meio do turbilhão de lembranças, o ‘eu’ e o ‘nós’ tomaram forma. Explico.

A nossa iniciação política foi feita à luz dos ensinamentos do Marx e do Lenin, onde o individualismo – o ‘eu’ – era intensamente combatido e execrado porque se chocava com o interesse coletivo – o ‘nós’. E essa compreensão perpassava toda a nossa conduta e o nosso discurso. Era  assim, mesmo que a tarefa fosse realizada somente por um(a) militante, na hora da prestação de contas ele/ela dizia: “nós fizemos” ou “nós deixamos de fazer”. Isso consolidava a nossa convicção de que não nos construímos sozinhos, que não conquistamos nada que não fosse fruto do esforço de um grupo – o ‘nós’ – portanto, não cabia a referência no singular – o ‘eu’. Continuo acreditando nisso.

Mas, inversamente ao que aconteceu há trinta e tantos anos, hoje o ‘nós’ cedeu lugar ao ‘eu’. Continuo explicando. Aliás, explicando esse texto e tentando entender o porquê dessa mudança ideológica.

Construímos e conquistamos importantes espaços de poder – inclusive a presidência da república – e à medida que essas estruturas são ocupadas por ‘nosso pessoal’, a principio para tocar o projeto de acordo com nosso programa, a coisa muda de figura. Talvez embevecidos com o exercício do poder, por menor que seja – aliás, quanto menor o nível hierárquico ocupado na burocracia, maiores são as demonstrações de arrogância, rispidez e petulância – acabam cooptados (as) e absorvidos (as) pela ideologia burguesa e se afastando da missão e dos objetivos para os quais o conjunto da classe trabalhadora – o ‘nós’ – lutou e depositou confiança para a realizarem a mudança. Dessa forma, o ‘eu’ se agiganta. Isso, quanto ao Estado – nacional e subnacionais.

 No meu universo sindical o ‘nós’ pouco está aparecendo nos discursos. O que aconteceu? Não fomos cooptados pelo aparelho autoritário e opressivo do Estado; continuamos a representar os interesses da categoria a que pertencemos e que nos elegeu. Continuamos a discutir e deliberar nas instâncias próprias: congressos, assembleias, diretorias, etc. Por que, então, o ‘eu’ é repetido inúmeras vezes? Necessidade de autoafirmação do (a) dirigente? Afloramento do projeto pessoal – ‘eu’ – em contraposição ao coletivo – ‘nós’? Necessidade de retomarmos a educação sindical classista em nosso meio? Inúmeras perguntas.

Só sei dizer que, embora tenha escrito este texto no singular – ‘eu’ – morro de saudade do ‘nós’.


* Edvaldo Pitanga é sindicalista 

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