quarta-feira, 7 de maio de 2014

O LADO INDECENTE DO MUNDO DO TRABALHO

Edvaldo Pitanga(*)

"Se com o nosso enforcamento vocês pensam em destruir o movimento operário - este movimento de milhões de seres humilhados, que sofrem na pobreza e na miséria, esperam a redenção – se esta é sua opinião, enforquem-nos. Aqui terão apagado uma faísca, mas lá e acolá, atrás e na frente de vocês, em todas as partes, as chamas crescerão. É um fogo subterrâneo e vocês não poderão apagá-lo!"

                                                                                       August Spies

"Arrebenta a tua necessidade e o teu medo de ser escravo, o pão é a liberdade, a liberdade é o pão".

                                                                                                          Albert Parsons

Essas foram as palavras de dois lideres e mártires de Chicago ao receberem a pena de morte por enforcamento. Outros dois também foram enforcados e um cometeu suicídio na prisão. O processo se desenrolou rapidamente, a justiça burguesa inventou testemunhas e provas para condená-los. Qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência. As comemorações do 1º de Maio – Dia Internacional do Trabalhador – têm aí sua origem, é um dia de luta e de luto.

Hoje, no Brasil, dificilmente algum trabalhador será enforcado por lutar pelos seus direitos. Mas os patrões encontraram outras formas de enforcá-los sem usar o patíbulo. Eles se aproveitam, principalmente, da incapacidade do Estado de fiscalizar e fazer cumprir as leis trabalhistas e precarizaram o trabalho a níveis insuportáveis. O assédio moral e as péssimas condições de trabalho são as partes mais visíveis deste cenário.

Em maio de 2006, o Brasil lançou a Agenda Nacional de Trabalho Decente, assinada pelo Presidente Lula. O país é pioneiro no estabelecimento de agendas subnacionais sobre o tema. A Bahia lançou sua agenda em dezembro de 2007 e o Mato Grosso em abril de 2009. Sem dúvida uma iniciativa louvável por parte do Estado brasileiro.

“O Trabalho Decente é o ponto de convergência dos quatro objetivos estratégicos da Organização Internacional do Trabalho - OIT: o respeito aos direitos no trabalho (em especial aqueles definidos como fundamentais pela Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho e seu seguimento adotada em 1998): (i) liberdade sindical  e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; (ii) eliminação de todas as formas de trabalho forçado; (iii) abolição efetiva do trabalho infantil; (iv) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação), a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social.” (1)

Mas, contraditoriamente neste período vemos crescer assustadoramente os processos por assédio moral na Justiça do Trabalho. Na Bahia, em 2001, somente um caso foi registrado. Já em 2010, foram 981. As grandes empresas, bancos e fábricas implantaram esse ambiente hostil, que nada fica a dever às relações de trabalho do século dezenove só que de maneira mais sutil e sofisticada. É a luta de classes dos tempos atuais.

Em outubro de 2013, o Walmart – o Bompreço aqui na Bahia – foi condenado a pagar 22,3 milhões de indenização por danos morais coletivos (está recorrendo da sentença); a Samsung em Manaus responde a um processo do Ministério Público do Trabalho no valor de 250 milhões de reais por razões semelhantes (está buscando acordo); o HSBC, em fevereiro desse ano, foi multado em 67,5 milhões de reais em Curitiba por espionagem dos seus funcionários, é a arapongagem no mundo do trabalho (condenação em primeira instância). Some-se a isso o fato de que o Brasil é o quarto país em acidentes de trabalho. Fiquemos por aqui com estes (maus) exemplos.

É difícil de entender um país que assume o trabalho decente como meta seja o mesmo que não promova os meios para que ele aconteça. O Ministério do Trabalho principal instrumento do Estado para garantir a segurança e os direitos dos trabalhadores, não possui a mínima condição de cumprir, com dignidade, seu papel institucional.

O governo brasileiro não está cumprindo a Convenção 81 da OIT, já ratificada, especialmente no seu artigo 10, que estabelece aos países signatários um quantitativo mínimo de Auditores-Fiscais do Trabalho em relação ao número de estabelecimentos comerciais. A partir desta convenção, observamos que o número ideal hoje seria de 5.800 auditores, porém temos apenas 2.741 em todo o Brasil.

Aliado a esses dados vergonhosos, temos uma carência de servidores técnicos administrativos na área meio, o que dificulta sobremaneira o necessário apoio a atividade de fiscalização. Somente no último concurso da área meio do Ministério, de cada dez servidores nomeados, oito pediram exoneração devido aos baixos salários bem como as péssimas condições de trabalho existentes.

Na Bahia, o Estado subnacional pioneiro na implantação da Agenda do Trabalho Decente, não vemos no âmbito da gestão pública estadual – onde ele tem maior governabilidade de implantação – mudanças dignas de registro na relação de trabalho com seus servidores.

Aliás, em território nacional os avanços nesse sentido encontram-se estagnados, vide a regulamentação da Convenção 151 da OIT – negociação coletiva no setor público – que se encontra paralisada sem perspectiva de solução em médio prazo. Quem sabe em longo prazo?

Do outro lado da moeda está o movimento sindical com conquistas significativas nesse período, mas manietado por uma legislação retrógrada que impede no local de trabalho a organização das pessoas, espaço principal do conflito capital x trabalho.

Sem sombra de dúvida também comemoramos a criação de 22 milhões de empregos com carteira assinada no Brasil e os 570 mil na Bahia, mas precisamos ficar atentos aos processos de trabalho para que eles sejam realmente decentes.

A tarefa dos sindicatos combativos é banir o lado indecente do mundo do trabalho e manter acesa a chama do fogo subterrâneo que a burguesia não poderá apagar.

(1) Extraído do site da OIT Brasil


 (*) Edvaldo Pitanga é sindicalista

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